Dívida impagável: Vânia Damasco

  



 "Depois do Baile", de Tolstoi, 

calcei as botas 👢 👢 delirantes do Piótr Vladislávicth, 

para cumprir regras impiedosas. 


Sem rua pra ir, fiquei. 

Como um tártaro, assombrada e nua, oferecida ao açoite. 

Mulher de costas pequenas.

Insuficientes curvaram-se às más línguas. 

De longe jorram salivas ardentes. 

Costas que não servem nem mesmo pra uma bela exposição! 

Mas servem pra aguçar uma ferocidade obscena. 


O vale das sombras aguarda, sedento. 

Aguarda espremer as luvas cheias de sangue.


Luvas, imiscuídas com salivas ardentes, 

agora se tornou um preparado de substância pra regar o inferno. 

Más línguas sempre sedentas por sorver até a última gota de sangue nela contida. 

Imagina, a partida de uma cena interminável! 

A luva, as costas, a língua, as botas, a pena. 

Imagina a cena.


Quando cada um dos dedos é saboreado, 

cada vez mais jorra e prolifera o sangue,  

que se espalha feito lama coagulando, grudando...

Feito pra ser pisoteado pelas próprias botas!


Luva, lambidas... Sangue pisado. 

Lambidas torturantes que não cessam de marcar. 

Chibatas e mais outras tantas!

Lambadas, 

Lambidas de lamentos. 

Alma fervendo 

Alma em brasas,  

Estalidos altos, no silêncio.


Vozes? 

Sim, elas sussurram. 

Por quê? 

A língua está engolfada de sangue vivo que escorre sem cessar! 

Merecida ignorância de lampejos. 

O que é isso? 

Estar sob um assombro infinito de uma dívida impagável!


Costas traídas 

Costas feridas 

Mas, por quem? 

Por ti mesmo! 


Voz contida no silêncio saiu pela fresta do engano. 

Era um sussurro inebriante, chamando. 

Parecia manso. 

Mas era ardiloso e cruel. 

Tal como veio manso, 

não sabia que na mansidão preparava o bote pra revelar cada letra contida nos escombros da alma. 


Anos a fio de açoite sendo perfurado pela brisa enfeitiçada. 

Textos revelados e julgados. 

Voz decretada ao silêncio infinito! 

Textos eternamente escritos, apagados ou queimados! 

A voz traíra segue. 


Apagou? 

Não li. 

Tô te ouvindo! 

Diga! 

Quero te ler! 


Cada lida, uma corda 

Cada escrita, amarrações. 

Cada entrega, uma surra! 

Amordaçada pelas cordas, 

Cordas 

Cordas 

Cordas 

Acordes! 


Será possível sucumbir nestas cenas? 

Deixá-las como se fossem apenas um pesadelo? 


Ah! 


Que pena! 

Não era uma pena voando ao ponto de se perder de vista! 

Era uma pena, tinteiro, tatuando escritos nas costas! 


Ah!


Não adianta mais se lamentar! 

Se até mesmo os conhecidos enganam, 

quiçá aqueles que pouco se conhece! 

Agora, não sei. 

Até quando irá este martírio?



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